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Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul

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Marcelo Costa: “O mesmo lugar”

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Marcelo Costa, Procurador do Estado do RS e membro do Departamento de Direitos Humanos da APERGS
Artigo publicado em Zero Hora em 21/10/2022

Porto Alegre, outubro de 2022. Aconteceu de novo, e não é coincidência. Esta é a cidade do “Homem-errado”, assassinado pelo Estado nos já distantes anos 1980. É a mesma cidade em que um derrotado político branco se dirigiu a negros recém-eleitos vereadores como incapazes e indignos de serem representantes do povo. É onde se viu um negro ser brutalmente espancado e morto em um grande supermercado por ter se “comportado mal”.

Agora, a cidade vaiou Seu Jorge no palco de um clube tradicional, que representa o que de mais anacrônico pode existir em uma sociedade. O motivo das vaias foi o artista ter falado verdades inconvenientes a quem pode pagar mais de R$ 500 por um convite para um jantar comemorativo, enquanto 30 milhões de brasileiros passam fome.

Seu Jorge, mais do que músico, um artista, foi chamado de “negro vagabundo” após mencionar questões de falta de oportunidade, inclusão e justiça social. A fala se deu para pessoas que, se supõe, têm acesso à cultura e à educação. Seu Jorge era, paradoxalmente, quem estava trabalhando lá. A maioria dos presentes estava se divertindo.

A arte é uma das poucas formas de redenção pelo trabalho para pessoas pretas em um país que lhes negou o direito à aquisição de propriedades, ao mesmo tempo em que dava lotes de terras agricultáveis, no século 19, aos imigrantes europeus. O país que lhes negou acesso à educação, enquanto proibia o voto de analfabetos.

Protegendo-se uns aos outros, tentaram atingir um único negro para intimidar todos. Trago, no entanto, uma má notícia para estas pessoas: sua agressão não deu certo. Ao contrário, despertará cada dia mais aqueles que ainda não entenderam que o Brasil somente será o país que deve ser quando respeitar todos os seus cidadãos.

A mensagem transmitida ao mundo por eles é: “Se esses que se dizem a elite do lugar têm este tipo de comportamento medieval, que lugarzinho miserável”. É muito vergonhoso, e a vergonha pode ser um combustível poderoso.

Aos que ainda toleram os intolerantes, é tempo de despertar. Não basta não ser racista, seja antirracista.

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