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Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul

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Artigo “Não olhe para o lado”

  • por

Fabiana da Cunha Barth – Presidente da Escola Superior de Advocacia Pública da APERGS

A última semana foi marcada por mais uma edição do Fórum Econômico Mundial. A meca do mercado se reuniu para discutir os desafios no horizonte, após dois anos de pandemia. E, no encontro, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, destacou a crise econômica global, referindo que a recuperação é lenta, frágil e desigual, com desafios no mundo do trabalho, aumento da inflação e dívidas crescentes.

Para quem olha para o lado, o cenário descrito no Fórum nada mais é do que aquele que se vê diariamente. É a realidade do desemprego ou de um salário cujo valor se revela, a cada dia, mais reduzido para custear as despesas mensais. São os preços aumentando e o imposto sobre consumo, aplicado de forma linear — independentemente da capacidade financeira daquele que consome —, pesando mais ainda no bolso dos mais pobres. É a incapacidade das instituições, dos governos e da sociedade civil organizada em manter o valor de compra do salário mínimo e menos ainda de cogitar seu efetivo reajuste. São os moradores aumentando nas ruas e a ausência de condições dignas de vida se proliferando, assim como a pandemia. Enfim, para quem tira os olhos das telas e vive o real, a pandemia agravou o que de pior se vê na sociedade e, portanto, caberia uma forte ação global para reverter esse estado de coisas. 

Entretanto, ao contrário do que se esperaria num cenário caótico como o que vive a maioria da humanidade, os dados divulgados pelo relatório da Oxfam revelam a fragilidade de nossa sociedade e como seguimos a passos largos para o abismo social. Segundo divulgado, um novo bilionário surge a cada 26 horas desde o início da pandemia, sendo que os dez homens mais ricos do mundo dobraram suas fortunas, enquanto mais de 160 milhões foram empurrados para a pobreza. Ou seja, vivemos num mundo que está estruturado na concentração da riqueza nas mãos de poucos e no empobrecimento de muitos. 

No quadro desenhado, quem olha para o lado e vê aquele cenário de miséria crescendo também não se espanta que os bilionários estejam investindo fortunas para irem ao espaço com convidados selecionados (para dar mais ênfase ao espetáculo), além de negociar essa oportunidade a preços compatíveis com a exclusividade da experiência no cada vez mais desejado mercado de luxo. 

Olhar para o lado e ver essa realidade tão paradoxal só não causa sofrimento para quem estiver anestesiado. É sofrível pensar que o sistema nos obriga a tornar esses bilionários mais ricos, na medida em que praticam preços que, por exemplo, a livraria do bairro — que se não fechou, logo fechará — jamais conseguirá praticar, e a massa assalariada precisará desse bom negócio para comprar o material escolar, inclusive. É pesado pensar na dificuldade em tributar as grandes fortunas — e quando se cogita a reforma, a discussão central é sobre a não taxação de lucros e dividendos de pessoas jurídicas, não sobre o peso da tributação no consumo na grande massa de assalariados. 

Então, para que o ano de 2022 inicie mais leve e divertido, a dica de janeiro é que você não olhe para o lado e sequer se preocupe com as consequências disso. Se os “donos do poder” seguirem agindo como até então, em breve, assim como no sucesso recente no streaming, isso não será mais problema dos habitantes desse planeta. Estaremos, como sociedade, destruindo tudo, quer você esteja olhando para o lado, quer não esteja.