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Associação dos Procuradores do Estado do Rio Grande do Sul

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Flavia Reis: “Salve, Jorges!”

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Flavia Reis, Procuradora do Estado e coordenadora do Departamento de Direitos Humanos da APERGS
Artigo publicado no site da Apergs em 24/11/2022

A palavra africana Ubuntu tem origem na língua Zulu, e significa “humanidade para com os outros”, ou ainda “eu sou porque nós somos”. Tal palavra representa a filosofia africana que trata da importância das alianças e do relacionamento entre as pessoas. Uma tradução genuína da ideia de humanidade, na qual respeito e solidariedade são pilares essenciais.

Em 1971, o pioneiro Grupo Palmares de Porto Alegre fez um ato evocativo à resistência negra na noite do dia 20/11 no Clube Social Negro “Marcílio Dias”, contando com a presença, dentre outros, de Oliveira Silveira, poeta negro e um dos criadores do Grupo Palmares. O evento valorizava o herói negro Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares. Mais de 50 anos depois, e uma década depois da criação da lei 12.519/2011, que instituiu o 20 de novembro como o dia de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, a mesma Porto Alegre protagonizou ato racista em clube social, pondo em xeque nossa própria humanidade. Todos já sabemos, e não devemos esquecer, do crime a que foi submetido Seu Jorge na capital dos gaúchos, enquanto se apresentava no Clube Grêmio Náutico União. Imitações de macaco. Gritos de ofensas racistas, como “negro vagabundo”.

Reverberam até agora pedidos de desculpas. Vindos de várias frentes. Contudo, não nos olvidemos que fatos abjetos como estes constituem crimes e que acontecem todos os dias com Jorges anônimos. O ato contra Seu Jorge não foi e não é um ato isolado. A barbárie também é cotidiana, silenciosa e velada. É o racismo estrutural mostrando sua cara num país onde são os pretos que encabeçam as estatísticas da evasão escolar, das prisões brasileiras e das mortes em abordagens policiais.

Há quanto tempo caiu a máscara de que a sociedade brasileira é marcada pela harmonia e pela igualdade na convivência racial? Falácia contra a qual já se insurgia Abdias do Nascimento, em O Genocídio do Negro Brasileiro, desmistificando a ideia de que as condições no Brasil seriam mais favoráveis aos descendentes de africanos, apenas porque nos Estados Unidos e na África o horror teve um nome oficial: apartheid. Abdias revela que a situação dos negros no Brasil é muito pior dado que aqui o racismo é insidioso e, por isso, muito mais cruel.

Salve, Seu Jorge. Salve a todos os Jorges anônimos, ofendidos diariamente pelo abominável preconceito e pela intolerância, contra o que (Ubuntu) todos temos que lutar.

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